Reflexões de feriadão


Reflexões de feriadão


Oi!

Desde sexta é feriadão aqui na Cidade do México. Meu filho e eu temos aproveitado muito todo esse tempo livre. Hoje por exemplo, fomos ao parque com a Anita, a nossa linda cachorrinha recém adotada, e depois fomos tomar alguma coisa num café com mesas ao ar livre, desde onde ficamos observando o panorama. Feriado tem uma energia diferente que se sente no ar; as pessoas parecem bem mais alegres e despreocupadas, e o trânsito e a correria da grande cidade parecem coisas que nunca existiram por aqui.

Quando voltamos pra casa, eu fiz uma pizza e depois do almoço, enquanto minha mãe assistia ao tênis na televisão, o Dudu e eu vimos um filme sobre o escritor que criou o personagem de Winnie the Pooh e o relacionamento com o filho dele, Christopher Robin. Gostamos bastante. E agora, estou escrevendo no meu blog, atividade essa que sempre me enche de alegria.

Nesses dias de calma, andei pensando muito sobre o que chamamos de “as pequenas alegrias da vida”. Quanto mais o tempo passa, mas eu me convenço de que elas são de fato “as grandes alegrias da vida”. Passar tempo com meu filho, ler um livro interessante, tentar fazer uma nova receita, sair para caminhar numa tarde ensolarada, escutar uma música legal, ver passar os diferente momentos do dia, etc., são todas atividades simples e comuns e no entanto, cada vez mais me parece que elas encerram um grande mistério, feito da alegria mais profunda que existe.

Hoje em particular estive pensando que se agora eu consigo enxergar e apreciar melhor do que nunca a beleza sutil dos momentos simples que compõem um dia normal, deve ser pelo fato de eu não ser mais tão jovem assim. Eu não me considero “velha” mas sinto que já estou naquela idade em que a gente começa a se beneficiar da clareza que a experiência traz.

Me parece que em todas as épocas da minha vida, houve sempre algum tipo de pressão, uma série de expectativas, fossem elas minhas ou de pessoas próximas, um certo molde ao qual a minha vida tinha que aderir. A sociedade, com todas as suas tradições e ideais, nos mostra desde cedo o que é esperado de cada um de nós, um pouco como se desde muito jovens, tivéssemos todos que vestir um certo uniforme, independentemente de que ele se ajuste ou não à nossa essência, ao nosso estilo pessoal, aos nossos sonhos e necessidades...

 Eu percebo agora que inclusive as disciplinas mais “abertas”, como por exemplo a psicologia, que foi o que eu estudei, não sao isentas do pecado de criar categorias estreitas demais para classificar as pessoas, dentro do que é considerado “normal” ou pelo contrário, “patológico”.



No meu caso pessoal, esse tal de uniforme nunca me serviu; era como se ele tivesse sido feito para alguém totalmente diferente a mim. Porém, passei muitos anos usando-o, mesmo que ele me apertasse, me forçando a usá-lo e me sentindo fracassada, ou pelo menos esquisita, por ele não ficar bem em mim.

Hoje, graças à bendita idade, eu entendo que eu não preciso mais usar essa roupa sem graça e feia; eu posso muito bem deixá-la no armário ou até mesmo jogá-la no lixo, eu posso usar o que eu quiser, o que me fizer sentir bem. Como se diz em inglês, posso usar “o que me faz brilhar”; as cores, os estilos e as combinações são infinitas.


Acredito que a alegria e a paz que sinto, assim como essa capacidade maior de valorizar as “coisas pequenas” e corriqueiras tenham a ver com duas coisas, dois presentes que a idade e a experiência me deram.




Primeiro presente: 


Hoje eu dou a mim mesma total permissão de ser eu mesma: desde ter o peso e a constituição que o meu corpo está geneticamente programado para ter, até aceitar os sonhos, motivações, anseios, medos e defeitos específicos que me fazem ser que eu sou, independentemente do que eles possam parecer aos olhos de outras pessoas e dos meus próprios.

 Tenho descoberto que, quanto mais eu me permito ser quem eu sou, assim com aprofundar nessa essência, sem críticas nem intuitos de me forçar a mudar, mais feliz e livre eu me sinto. 

Faz alguns anos, logo após o meu divórcio, numa época que foi das mais turbulentas na minha vida, eu conheci um médico que me ajudou a sair do pesadelo. Lembro que na nossa primeira consulta ele me disse o quanto era importante que eu aprendesse a “girar em torno de mim mesma”. Essas palavras podem parecer uma receita para se virar “egocêntrico”, mas na verdade, elas encerram o segredo para aprendermos a conhecer e explorar a nossa essência e a basear as nossas decisões no respeito à essa nossa verdade mais profunda.

 Sempre que estou nervosa, fora do meu centro, me criticando irracionalmente, eu lembro dessas palavras; elas sempre me acalmam e me orientam. Hoje eu percebo que aquilo que eu considerava serem meus “defeitos” nada mais eram do que manifestações da sabedoria profunda do meu ser, dessa força que está pouco se lixando para o que está na moda e para os modelos de felicidade que os “especialistas” querem nos impôr... 

É essa força que nunca desiste de nós, que teima em nos mostrar o caminho da verdadeira felicidade. É uma grande sorte perceber que mesmo a pesar dos desencontros, das perdas e das inevitáveis mudanças de rota, acabei chegando, quase que por engano (na verdade graças à enorme generosidade da existência) “à vida que sempre pedi a Deus”. Nela, não há quase nada daquilo que eu pensava que fossem os ingredientes básicos para se conquistar felicidade e, no entanto, sou feliz, e olha só... nem precisei “conquistar” a felicidade coisa nenhuma.... Simplesmente me deixei invadir por ela.




Segundo presente: 


Faz quase dezesseis anos, fiz uma viagem maravilhosa à Europa, viagem essa que eu quase cancelei pois nem a minha mãe, nem o meu namorado da época podiam me acompanhar naquele momento. Felizmente pra mim, eu venci meus medos e preconceitos e fui sozinha. Foram vinte e poucos dias pra lá de maravilhosos... Dentre tantas emoções e experiências novas e intensas que vivi, me lembro particularmente de uma, sobre a qual inclusive fiz algumas anotações no diário que levei comigo. 

Me recordo que durante essa viagem e principalmente nos primeiros dias, eu entrei num estado estranho de percepção. Era como se, pelo fato dos meus sentidos estarem sendo “assaltados” por tantos lugares novos e incrivelmente belos, assim como devido à situação de eu passar a maior parte do dia sozinha, isto é, sem a companhia de ninguém conhecido, eu me esquecesse de mim... 

Uma das coisas nas que lembro ter reparado naqueles dias, era que eu passava horas a fio sem me olhar num espelho, sem pensar nem me preocupar com a minha aparência, um pouco como se eu tivesse me transformado numa espécie de câmera fotográfica, preocupada unicamente em capturar o mais possível das vistas tão belas que me cercavam, para assim poder me lembrar sempre delas e do efeito que estavam causando em mim. 

Engraçado eu ter lembrado disso enquanto eu pensava no que gostaria de escrever nessa entrada. A verdade é que me parece que a idade deve trazer consigo, idealmente, uma capacidade maior de nos “esquecermos de nós mesmos” e do que os outros e nós mesmos achamos da “nossa aparência” ou da maneira como nos manifestamos nesse mundo

Paradoxalmente, me parece que quanto mais somos capazes de nos aceitar como somos, mais podemos deixar de lado as inseguranças, as expectativas e as exigências, nossas e dos outros, que têm a ver com o nosso ego, que como sabemos não é mais do que um “falso eu”. 

Quando conseguirmos ver que a nossa verdadeira natureza tem muito mais a ver com sermos uma câmera frente à qual a vida se manifesta em todo o seu infinito mistério, do que uma pessoa com caraterísticas bem definidas, e quanto mais profundamente essa mudança se efetuar em nós, mais a alegria, a paz, a liberdade e a plenitude se tornarão acessíveis a nós, independentemente dos cenários a que estivermos expostos. 

Nesse contexto, o bom se torna ainda melhor e o ruim vira suportável, quando não profundamente significativo e inclusive belo. Quando o foco da nossa atenção muda da ideia que temos de “nós” a tudo que nos cerca, dentro e fora, a vida se torna, em palavras de Peter Brown, no seu livro “Dirty Enlightenment: The Inherent Perfection of Imperfection”, um museu, cuja beleza e magia nos encantam a cada momento.

E você, há momentos nos quais  "perde a noção de você mesmo(a)?" Que presentes a experiência já te deu? Onde você encontra paz e liberdade? Quais são as suas "pequenas grandes alegrias"?


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